7.10.24

Vencedores e vencidos do acordo do Orçamento

 


«Há mais vida para lá do Orçamento. Luís Montenegro fez questão de repetir esta semana a célebre frase de Jorge Sampaio – que, depois, foi “reinterpretada” e repetida ad infinitum numa fórmula que Jorge Sampaio nunca disse, o “há mais vida para além do défice”.

Havendo mais vida para lá do Orçamento, este acordo a que Governo e PS chegaram pode ter repercussões no futuro. Escrevo como se o acordo já estivesse fechado por uma razão: neste momento, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos estão condenados a entenderem-se dê por onde der. Já ninguém aceitava que, depois de aqui chegados, houvesse uma reviravolta. Seria tão, mas tão prejudicial para os dois protagonistas que nenhum deles arriscará um corte. É um processo que já não pode voltar atrás, dê por onde der. Aliás, seria patético para os dois lados.

Dito isto, Luís Montenegro é o vencedor do processo. Fica com um orçamento melhor do que o seu original e estas novas medidas vão permitir-lhe captar com mais eficácia o eleitorado centrista (o que também vota PS às vezes) em caso de crise política a prazo.

Pior: quem assistiu a todo o discurso contra o PS e as múltiplas tentativas de o amarrar ao Governo pelo simples facto de não ter viabilizado as moções de censura, sabe o que vem a seguir. O PS sai vencido: acaba a assinar quase um acordo de bloco central, coisa que nunca entraria nos pesadelos mais aterradores do secretário-geral do PS, tendo em conta aquilo que tem sido o seu pensamento sobre a relação PS/PSD.

Aliás, a condição relativa ao IRC avançada pelo PS, de que os três próximos orçamentos ficariam subordinados, torna-se estranha: ou o PS já está a disponibilizar-se para aprovar os próximos três, o que é uma bizarria, ou está a dizer que então já não contem – nos próximos – com os socialistas? Ainda não se percebeu.

O Governo ganha muito até porque, como o Governo Cavaco de 1985 ensina, é preciso algum tempo para se vitimizar e descolar. Cavaco demorou a cair e não foi por sua vontade expressa.

Pedro Nuno Santos perde muito ao entregar ao Chega o “cargo” de maior partido da oposição e ficar comprometido com a governação. Mas, não deixando de ser derrotado de um processo em que Montenegro conseguiu sair vitorioso, tem alguns ganhos de causa.

Em primeiro lugar, evita umas eleições que dificilmente seriam favoráveis para o PS e, dependendo da capacidade de vitimização do Governo, até poderiam ser bastante prejudiciais. Une o partido: os apoiantes de José Luís Carneiro, sempre defensores de um acordo, não têm agora espaço para o vir criticar ou organizarem-se imediatamente como alternativa.

Há um terceiro possível “ganho de causa” no processo: depois de fazer esta espécie de “bloco central”, haverá alguém que ainda o ataque como sendo um “bloquista”, “radical”, “extremista”? Se a lógica não fosse uma batata, esses rótulos tenderiam a desaparecer da imagem do secretário-geral do PS.

Um “extremista” faz um acordo com o Governo com esta dimensão? Mas já li e ouvi várias pessoas a insistirem no “Partido Socialista mais radical de sempre”, já depois de Pedro Nuno Santos estar praticamente comprometido com este orçamento.

A política constrói ódios irracionais: quase toda a esquerda odeia Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho, façam eles o que fizerem. Nem José Sócrates (que foi amado pela direita num primeiro momento) nem António Costa (cuja “habilidade política” sempre foi elogiada mesmo à direita, passado o primeiro choque da "geringonça") suscitaram tanto ódio como o “marxista” que se tornou secretário-geral. Os ódios irracionais na política são razoavelmente cómicos, porque marcam aquele momento em que a paixão futebolística ganha vantagem sobre as políticas concretas. Política, futebol e amor – três campos com mais em comum, no que toca ao poder e à irracionalidade, do que gostaríamos de acreditar.»


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