«Não é a frase que vai ser mais comentada. Para esse fim, o Presidente deixou outras frases ou expressões, as do “bom senso” e da “cooperação estratégica”. Ou aquela do ser português é ser universal. Camões fica bem num discurso de Ano Novo. O Eça vai para o Panteão na próxima semana, mas não calha bem numa mensagem destas.
As citações de Eça sobre a pátria calhavam melhor junto à frase de que se vai falar pouco, a que mais preocupa Marcelo: os 50 anos do 25 de Abril foram “o fim de um ciclo”.
Não haverá ninguém mais preocupado do que o Presidente com isto. Nota-se de cada vez que fala. Sabe que o primeiro-ministro o ouve pouco e que o líder do PS quase não o ouve. E sabe que os dois não partilham dessa preocupação, no sentido em que acham que tudo se há de recompor, à maneira de um ou de outro.
Para eles, os 50 anos não foram o fim de nenhum ciclo. Estão seguros de que o ciclo é deles e que há de ser parecido a ciclos de outrora. No círculo do primeiro-ministro ainda se cita o exemplo de Cavaco Silva em 1985, que arrancou minoritário e marcou Portugal durante dez anos seguidos. No círculo de Pedro Nuno acredita-se que o momento de desforra vai chegar.
O problema não está nos protagonistas, mas em quem se desforra de quem. PS e PSD acham que se desforram um do outro, quando há muita gente propensa a desforrar-se dos dois. E muita mais indiferente a que essa desforra prossiga.
As circunstâncias são novas. Não se trata da tecla batida de a democracia estar em perigo, mas de uma coisa menos tangível: a democracia está a mudar, desde 2019, quando a fragmentação partidária irrompeu em São Bento. Em 2024 essa fragmentação passou a ser estrutural.
E agora, o que é uma maioria neste novo cenário? Que nível de compromisso ou colaboração existe entre quem pode somar maiorias? Como se faz uma reforma? Como se garante a estabilidade e a previsibilidade que o Presidente da República invocou na sua última mensagem?
Eram perguntas simples no ciclo que se fechou. São perguntas sem resposta no ciclo que se abre. O tal em que pode mesmo haver um PR que não é apoiado nem por PS nem por PSD. Não é fácil caminhar com rumo num terreno que se desconhece. O primeiro passo é reconhecer que o terreno é novo.»
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