«Em setembro de 2024 a Organização Internacional do Trabalho publicou um estudo, Perspetivas Sociais e de Emprego no Mundo: atualização de setembro de 2024, no qual constata que o rendimento total auferido pelos trabalhadores caiu 0,6% entre 2019 e 2022 e, desde então, permaneceu estável, agravando uma tendência descendente de longa data. Ou seja, o fosso entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos do capital aumentou nas últimas décadas. A pandemia da covid-19 agravou esta tendência e os avanços tecnológicos são um fator estrutural de desigualdade porque, apesar de aumentarem a produtividade, os ganhos daí decorrentes não são repartidos equitativamente.
Em Portugal, na última década, o ganho médio real dos trabalhadores cresceu abaixo da produtividade, segundo um estudo do CoLABOR de abril de 2024. O salário médio real dos trabalhadores aumentou 10,6%, enquanto a produtividade aumentou 18,7% e os sectores mais produtivos (por exemplo, informação e comunicação) criaram menos empregos do que os sectores menos produtivos (como o alojamento e a restauração). Isto significa que os rendimentos gerados pelo aumento da produtividade não estão a ser equitativamente distribuídos, o que faz cair por terra o argumento tantas vezes repetido de que os salários são baixos porque não geramos riqueza. É verdade que o país precisa de aumentar mais a sua produtividade, mas também é verdade que há uma grande desigualdade na repartição da riqueza que é gerada.
No caso das mulheres, o problema agrava-se, uma vez que, para escolaridade, idade e antiguidade equivalentes, ganhamos cerca de 15% menos do que os homens (os números oscilam, mas significa que as mulheres trabalham cerca de 64 dias por ano de graça, na comparação com os homens).
Estes dados explicam, em parte, porque é que o nosso país é o quarto país mais desigual da União Europeia, com um coeficiente de desigualdade (índice de Gini) de 33,7 de acordo com um estudo do Eurostat de outubro de 2024.
A desigualdade, os baixos salários, o risco de pobreza dos trabalhadores deviam ser as principais preocupações do poder político, em especial do Governo. Porque cria injustiças e perda de coesão social e porque gera um fundado ressentimento por parte daqueles que não conseguem com o seu trabalho pagar uma habitação digna ou aceder aos bens e serviços de que necessitam. Um país onde quem trabalha corre risco de pobreza está claramente a distribuir mal os rendimentos.
Estes dados são muito relevantes quando se discute uma nova e profunda alteração à legislação laboral. O sentido geral da proposta apresentada pelo Governo traduz-se na desproteção dos trabalhadores, na perda de direitos, incluindo de parentalidade, na flexibilização da relação laboral, na simplificação dos despedimentos, no aumento da precariedade ao facilitar a contratação a termo, na eliminação dos limites à externalização (mesmo contra o recente acórdão do TC). Esta é uma reforma que não diminui a desigualdade, não se adapta aos avanços tecnológicos que alteram os equilíbrios no mercado de trabalho, não contribui para aumentar os salários. Pelo contrário, desequilibra ainda mais a relação laboral em detrimento dos trabalhadores. A reação dos sindicatos, incluindo os afetos ao PSD, é inevitável e justificada. Voltarei ao assunto.»

1 comments:
Pois, a sedenta de poder a quem se deve mais quatro anos de Moedas em Lisboa. Ela que vá escrever o segundo volume dos contratos interadministrativos com 1000 páginas de análise e 3000 de bibliografia.
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