«André Ventura perdeu o debate na TVI com Catarina Martins logo na primeira pergunta que José Alberto Carvalho lhe fez. O líder do Chega, interrogado sobre a operação da PJ que levou à detenção de várias pessoas, incluindo dez elementos da GNR e um da PSP, envolvidos em tráfico de imigrantes, nada tinha a dizer.
As respostas de André Ventura são muito penosas de ouvir. José Alberto pergunta por que é que o interlocutor ainda não se pronunciou sobre este assunto. Ventura, claramente aflito, diz que se pronuncia “sobre os assuntos que estão na actualidade”.
José Alberto Carvalho insiste, e bem, que o assunto “é da actualidade”. Ventura foge do assunto descaradamente e diz que também “temos um assunto da actualidade”, mostrando a fotografia da fila das pessoas sem documentos na operação no Centro Comercial Babilónia na sexta-feira. Ventura, que comenta tudo o que acontece ou está para acontecer, não encontra nada para comentar sobre o escândalo do Alentejo.
José Alberto Carvalho, mostrando que é jornalista e não mestre-de-cerimónias, não larga o assunto da exploração de imigrantes com polícias envolvidos. Quase obrigado à força a reagir, Ventura tenta poupar os polícias comparando-os aos imigrantes e diz que “é tão ilegal o imigrante como o explorador”.
O moderador insiste, voltando a confrontar o candidato presidencial com o facto de alguns dos envolvidos serem da GNR e PSP. E, finalmente, Ventura concede que têm de ser “punidos”. O incómodo é brutal. Imediatamente Ventura foge do assunto que o queima, e dirige-se a Catarina Martins, culpando-a pelas leis de imigração do Governo Costa.
A seguir ao debate, para meu espanto, vi comentadores a darem a vitória a André Ventura. Quando André Ventura quer furtar-se a responder ao escândalo do Alentejo – enfim, lá responde, por causa da enorme insistência de José Alberto Carvalho – é festejado, quando André Ventura “entra na lama” é festejado, quando Catarina Martins responde à bruta aos ataques à bruta, é penalizada por “entrar na lama”.
Isto faz sentido? Nenhum. Argumentar assim não lembra ao diabo. Enfim, a grelha de análise dos debates para a eleição do Presidente da República já começa a ser parecida com a que é habitual nos comentários a seguir aos jogos de futebol.
O que se passou no Alentejo é gravíssimo. Estamos perante uma situação de escravatura de pessoas em que elementos das forças de segurança estão envolvidos. Infelizmente, este caso dá-nos o sinal do que poderá acontecer com as novas leis de imigração. Se existir trabalho, virá imigração – como acontecia em França nos anos 60 que se encheu de portugueses que “iam a salto”, pagando à pessoa que os conseguia fazer chegar a França.
A investigação da Polícia Judiciária dirige-se, não aos imigrantes propriamente ditos (a quem Ventura declarou guerra permanente), mas aos suspeitos que “se aproveitaram da situação de fragilidade (documental, social e económica) de cidadãos originários de países terceiros, na sua grande maioria indocumentados, para daí retirarem avultadas vantagens económicas”. Os elementos da GNR e PSP exerciam “o controlo e vigilância sobre trabalhadores estrangeiros”. Continuo a citar o comunicado do Ministério Público: “Estes suspeitos ameaçavam ainda aqueles cidadãos, dando-lhes a entender que a queixa às autoridades não seria uma alternativa viável para reagir aos abusos de que foram ou estão a ser alvo.”
O leitor tem a certeza que os mais de 20% de eleitores que votaram no Chega nas legislativas se identificam com estes agentes de segurança que exploraram estes imigrantes? Eu, por acaso, não tenho nada essa certeza.
A questão é que o medo que André Ventura demonstrou no debate da TVI, perante José Alberto Carvalho, a falar deste caso, transmite a ideia de que está convencido de que entre os polícias corruptos e o eleitorado do Chega existe uma grande simpatia mútua.
Os elementos das forças de segurança não foram agora detidos por uma questão processual: as escutas não estavam transcritas e a juíza não aceitou escutas não transcritas.
Aquele debate da TVI tem história e não é a “lama”: é a incapacidade de André Ventura falar sobre a exploração de imigrantes se meter membros das forças de segurança. Já se tinha assistido à defesa do Chega do polícia que assassinou Odair Moniz, sem qualquer compaixão pelo morto.
Este país ainda tem um regular funcionamento das instituições. Mas ninguém tenha dúvidas de que, caso a revisão constitucional para dar mais poderes ao Presidente da República que Ventura defende fosse avante, íamos ter outro país. Estas são mesmo as eleições presidenciais mais importantes da democracia.»
2 comments:
E das empresas que os contratam? Nada?
Fiz uma pesquisa. Não foi fácil. Lá descobri o nome de uma herdade. A quem pertenceria? Difícil. Uma sociedade ligada aos olivais intensivos. E quem são os sócios? Nada. Como também têm turismo rural vasculhei, vasculhei, confirmei. Bom, é alguém que tem 2000 a 3000 hectares de terra e de quem o Expresso publicou um artigo a dizer que já lá estavam antes do Alqueva.
Este não sabia o que contratava?
Mas destes não se fala. Criam riqueza. Só vi os nomes de um sargento - José Justo - e de mais um ou outro. Do sargento, rapaz novo, até vi a foto a receber a graduação. É peixe miúdo. O graúdo fica de fora.
A autora questiona-se: «O leitor tem a certeza que os mais de 20% de eleitores que votaram no Chega nas legislativas se identificam com estes agentes de segurança que exploraram estes imigrantes? Eu, por acaso, não tenho nada essa certeza.» infelizmente, eu tenho a certeza oposta! Basta ler, ouvir e 'falar' com o eleitorado do Chega para perceber que este se move por instintos primários de ódio e descriminação e deixa a análise racional e a empatia 'em casa'! A autora vive no mesmo país do que eu? A ideia de que basta 'conversar' com essa gente para que a sua bondade matricial emerja à superfície e 'vejam a luz' é quase tão chalupa quanto os próprios!
Quando é que vamos perceber que essas 'ilusões fraternais' do 'saudai-vos no amor de Cristo' é mais parte do problema que parte da solução?
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