13.6.21

Nem Hollywood, nem Bollywood. Pollywood



 

«Sem ironia, podemos dizer que Portugal caminha da mesma forma que uma galinha voa: um salto, uma queda, outro salto, outro trambolhão e volta sempre tudo ao princípio. As crises transformam-se em momentos de euforia e estes em crises mais ou menos profundas. As últimas centenas de anos mostram como esta galinha levanta voo, sempre baixinho e, depois, espalha-se no chão. Sem nada de fundamental mudar. Portugal é uma galinha cacarejante com asas pequenas. Um país de pequenos interesses, de pequenos clubes, de pequena economia, de pequena política, de pequenas ideias. As crises sucedem-se e continuamos sem um projecto de país. Cada tempo tem o seu Dom Sebastião: a pimenta, o ouro do Brasil, os fundos europeus, a bazuca, o turismo. E, claro, os empréstimos externos e a austeridade. E homens ditos providenciais.

Portugal vive numa ficção permanente. Mas não é Hollywood. Nem Bollywood. É Pollywood. Não temos grandes produções. Nem dramas comoventes. Em vez de termos o mundo a nossos pés, pedimos aos outros para nos darem pontapés. Por alguma razão os portugueses depositam todas as suas esperanças no futebol. Ou na raspadinha. A classe política, e muita da empresarial, governa-nos com um tipo de mentalidade adolescente cujo padrão de conduta se inspira em personagens do Netflix, assessorados por guionistas que tratam os cidadãos como espectadores de séries. Para eles, a política e a vida diária é uma mistura de um jogo de computador e de uma app. Não desesperemos. É o sinal dos tempos. Há dias, Elon Musk passou a ocupar o cargo de Technoking da Tesla e o chefe financeiro da empresa passou a ser designado como Mestre da Moeda. Não é uma piada de 628 mil milhões de dólares, que é o valor da Tesla na Bolsa. Um pouquinho mais do que o PIB de Portugal.

Esta infantilidade contamina. Vai-se vendo na forma como os responsáveis gerem interesses em vez de governarem o país. A partidarização do sítio tornou Portugal asfixiante. Como o poder é retirado a especialistas para ser dado a assessores reclináveis, Pollywood continua a rodar uma nova versão de um filme dos irmãos Marx. Mas com actores secundários e estagiários. Siga-se o enredo: o Novo Banco é uma Matrioshka de enganos; descobrem-se as virtudes do SNS num momento de crise profunda, mas durante anos PSD e PS tudo fizeram para o asfixiar; há um escândalo nacional por causa dos trabalhadores migrantes de Odemira, mas o ministro do Ambiente nunca reparou nas planícies de plástico que cobrem zonas do país, nem nunca reparou que não haverá água para alimentar o desvario pouco ambiental das explorações intensivas; a gestão das áreas protegidas são entregues aos interesses municipais e partidários; os painéis de Nuno Gonçalves são alvo de operação de restauro, mas não se sabe se há dinheiro para ter ar condicionado nas salas onde estão obras de arte como essas; promete-se uma “bolha de segurança” na final da Liga dos Campeões, mas ela rebenta nas mãos da ministra da Presidência e da Reforma Administrativa, ficando-se sem se saber quem negociou, e como, com a UEFA (deve ter sido o ciclista da Glovo que trouxe os hambúrgueres); o PSD de Rui Rio afunda-se a discutir se Pedro Adão e Silva deve estar cinco dias ou cinco anos como responsável pelas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril; o MEL discute apenas economia, mas esquece-se de debater cultura, questões sociais ou saúde, porque o liberalismo indígena acha que os números explicam tudo; o CDS torna-se o partido de Lilliput. Mas Pollywood começou a rodar a série mais pindérica que possa ser imaginada: “O Regresso da Brigada do Reumático”. Ela sintetiza o que PS e PSD actuais desejam para o país: a partidarização de tudo, incluindo as Forças Armadas. Esse é o legado transparente deste regime que se vai desmoronando. Porque só tem duas tácticas: partidarização e turismo. Tudo o resto é um filme de zombies. Ou seja, o Governo finge que governa (enquanto apenas gere interesses de uma casta), a oposição finge que se opõe e todos esperam que chova dinheiro de Bruxelas para acabar com a seca. Porque já resta pouco para vender.

Somos um país endividado, e sem estratégia de médio ou longo prazo, servimos tremoços em bandejas a turistas. Somos o Pollywood da precariedade, um documentário turístico de baixo custo, e nem com salários baixos saímos deste pântano. Gastamos o dinheiro que não temos a fazer marquises como a que destruiu esteticamente o Palácio da Ajuda. Não temos dinheiro e vendemos aquilo que poderia trazer riqueza ao país. Aqui não se fazem investimentos. Combinam-se negócios. Sobretudo com o dinheiro dos outros.

Mas o nosso maior défice é o das ideias. Na nossa elite política ninguém acredita que a cultura e o conhecimento continuam a ser importantes para a sociedade em geral e para se perceber a política global. Afinal, se tudo está na internet, como diz um antigo especialista em economia e jovem historiador da moda, para quê gastar dinheiro com o pensamento, com a reflexão, com a estratégia? Basta contratar “boys” e “girls” para as direcções-gerais, para os institutos e para qualquer outro serviço bem remunerado. Lembre-se só que, após a Grande Depressão, o Presidente Roosevelt, no meio dos seus planos económicos, colocou um em marcha: o Projecto Público de Obras de Arte. Contrataram-se milhares de artistas que produziram obras e arte, esculturas para edifícios públicos, livros, peças de teatro ou música. O nosso Plano de Recuperação e Resiliência, elaborado à volta da economia macro, esquece esse mundo. A cultura é fundamental para a sociedade se conhecer a si mesma. Mas como a classe política não vê, não vê e só come telefones como o irmão Marx porque julgava que sabiam a chocolate, nada se pode esperar.

Se Os Lusíadas de Camões era o poema sobre “a partida”, Pátria, de Guerra Junqueiro, era-o sobre o “regresso”. Entre esses dois destinos nunca conseguimos descobrir o que queríamos fazer de Portugal, sempre perdidos entre o esbanjamento, a incapacidade de acumular capital que pudesse ser produtivo, entre a eterna dívida e défice. Nada mudou. Não há neste Governo, nem na oposição, um modelo para o futuro de Portugal. Não há estratégia: há tácticas sucessivas. Os sinais de degradação do regime são gritantes, porque os principais partidos políticos não percebem que a crescente pobreza do país vai radicalizar cada vez mais os portugueses. Antero de Quental já temia isso quando escreveu há mais de um século: “Portugal ou se reformará, política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir.” Portugal resistirá. Este regime, não sabemos.»

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