Li o livro (*) antes de ele chegar às livrarias (porque a editora fez o favor de mo enviar) e, portanto, liberta de quaisquer pressupostos com origem em opiniões alheias.
Entretanto, foram surgindo apreciações. Destaco duas: a de João Tunes no Água Lisa (6) (de um compagnon de route, naturalmente emotiva e entusiástica) e a de Rui Bebiano no Passado/Presente. (**)
Num outro post do mesmo blogue, João Tunes sublinha as semelhanças gráficas entre esta obra e o meu livro Entre as Brumas da Memória. São óbvias: basta olhar aqui para o lado direito do blogue para as ver. São também justificadas: mesma colecção da mesma editora, publicação com dois meses de intervalo, resultado do acolhimento de ambos por um excelente editor (Nelson de Matos), predisposto a dar guarida a excentricidades memorialísticas e históricas deste tipo e que, infelizmente, já deixou a Âmbar. Diz também J. Tunes que «lendo-os, as sensações de semelhança regressam à tona – estão lá todas as “igrejas” e as suas ovelhas tresmalhadas (...), confirmando as enormes semelhanças entre comunismo e catolicismo». Isso daria para muitas e longas considerações, mas hoje não vou por aí.
O livro de Raimundo Narciso (RN) é um importante testemunho, como é o que tinha escrito sobre a ARA, a que já me referi neste blogue. Se os protagonistas das histórias não as contarem, ninguém o fará por eles. Os historiadores poderão vir a «entrar na conversa», mas fá-lo-ão de uma outra maneira. E histórias não faltam a RN...
Gostaria de deixar três breves comentários que a leitura me suscitou e que nem chegam a ser críticas:
1. Na minha opinião, a imagem de Álvaro Cunhal sai de rastos. Não porque RN seja agressivo, nos termos ou nos conteúdos – muito pelo contrário, até mostra uma certa benevolência. Mas se é verdade que não existem no livro quaisquer novidades sobre a personalidade de Cunhal, os detalhes do seu comportamento, no dia a dia e em situações de ruptura, revelam, muito clara e sistematicamente, a prepotência e a intolerância que o caracterizavam.
2. Pode-se ficar com a impressão de que o problema mais importante, quase que o único, era o centralismo democrático, com todo o arsenal de considerações de ordem burocrática que lhe estão associadas. Não vi muitas clivagens ideológicas – falha minha, possivelmente.
3. Quando acabei a leitura – que fiz de um trago – tive a impressão de ter passado algumas horas dentro da Soeiro Pereira Gomes (só lá entrei uma vez, por razões familiares, mas chegou para imaginar agora alguns cenários). Nem sei se isto é uma crítica ou um elogio: se a intenção do autor, que não conheço pessoalmente, era revelar a claustrofobia em que viveu naquela casa, conseguiu perfeitamente o seu objectivo. Mas confesso que me faltou «a leitura interpretativa e historicamente contextualizada dos acontecimentos», de que fala Rui Bebiano.
Estas considerações não afectam, de modo algum, uma apreciação global muito positiva da obra – importante e de leitura incontornável.
(*) Raimundo Narciso, Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via, Âmbar, Porto, 2007, 200 p.
O autor criou este blogue relacionado com a publicação do livro.
(**) Ignoro, propositadamente, as que já li provenientes de fontes oficiais ou oficiosas do PCP, pela falta de seriedade que revelam.
Entretanto, foram surgindo apreciações. Destaco duas: a de João Tunes no Água Lisa (6) (de um compagnon de route, naturalmente emotiva e entusiástica) e a de Rui Bebiano no Passado/Presente. (**)
Num outro post do mesmo blogue, João Tunes sublinha as semelhanças gráficas entre esta obra e o meu livro Entre as Brumas da Memória. São óbvias: basta olhar aqui para o lado direito do blogue para as ver. São também justificadas: mesma colecção da mesma editora, publicação com dois meses de intervalo, resultado do acolhimento de ambos por um excelente editor (Nelson de Matos), predisposto a dar guarida a excentricidades memorialísticas e históricas deste tipo e que, infelizmente, já deixou a Âmbar. Diz também J. Tunes que «lendo-os, as sensações de semelhança regressam à tona – estão lá todas as “igrejas” e as suas ovelhas tresmalhadas (...), confirmando as enormes semelhanças entre comunismo e catolicismo». Isso daria para muitas e longas considerações, mas hoje não vou por aí.
O livro de Raimundo Narciso (RN) é um importante testemunho, como é o que tinha escrito sobre a ARA, a que já me referi neste blogue. Se os protagonistas das histórias não as contarem, ninguém o fará por eles. Os historiadores poderão vir a «entrar na conversa», mas fá-lo-ão de uma outra maneira. E histórias não faltam a RN...
Gostaria de deixar três breves comentários que a leitura me suscitou e que nem chegam a ser críticas:
1. Na minha opinião, a imagem de Álvaro Cunhal sai de rastos. Não porque RN seja agressivo, nos termos ou nos conteúdos – muito pelo contrário, até mostra uma certa benevolência. Mas se é verdade que não existem no livro quaisquer novidades sobre a personalidade de Cunhal, os detalhes do seu comportamento, no dia a dia e em situações de ruptura, revelam, muito clara e sistematicamente, a prepotência e a intolerância que o caracterizavam.
2. Pode-se ficar com a impressão de que o problema mais importante, quase que o único, era o centralismo democrático, com todo o arsenal de considerações de ordem burocrática que lhe estão associadas. Não vi muitas clivagens ideológicas – falha minha, possivelmente.
3. Quando acabei a leitura – que fiz de um trago – tive a impressão de ter passado algumas horas dentro da Soeiro Pereira Gomes (só lá entrei uma vez, por razões familiares, mas chegou para imaginar agora alguns cenários). Nem sei se isto é uma crítica ou um elogio: se a intenção do autor, que não conheço pessoalmente, era revelar a claustrofobia em que viveu naquela casa, conseguiu perfeitamente o seu objectivo. Mas confesso que me faltou «a leitura interpretativa e historicamente contextualizada dos acontecimentos», de que fala Rui Bebiano.
Estas considerações não afectam, de modo algum, uma apreciação global muito positiva da obra – importante e de leitura incontornável.
(*) Raimundo Narciso, Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via, Âmbar, Porto, 2007, 200 p.
O autor criou este blogue relacionado com a publicação do livro.
(**) Ignoro, propositadamente, as que já li provenientes de fontes oficiais ou oficiosas do PCP, pela falta de seriedade que revelam.
3 comments:
«Não fui eu»
Estiva a ouvir esta manhã o programa do Luis Osório no RCP em que participaram vários dissidentes do PCP, creio que a propósito do livro de Raimundo Narciso. Para além do que todos os dissidentes dizem com razão, ainda não vi nenhum interrogar-se sobre o seu próprio papel nas políticas sectárias e na imagem que o PCP criou junto dos portugueses, sobretudo no período áureo de 1974 e 1975 em que o poder parecia tão perto...
José Medeiros Ferreira em:
http://bichos-carpinteiros.blogspot.com/
Eu tenho mais dificuldade em perceber quem ficou no PCP depois da invasão da Checoslováquia em 1968 e de outros acontecimentos similares.
Cara Joana,
Obrigado pela simpatia e pela graciosa publicidade ao meu modesto blogue. Sobre o que diz acerca de Cunhal, e também a propósito do comentário anterior de "maria", recomendo a leitura da carta de Flausino Torres ao CC do PCP após a invasão de Praga e no seguimento da reunião com Cunhal dos militantes que viviam na então Checoslováquia (http://agualisa6.blogs.sapo.pt/181333.html). Melhores cumprimentos do
João Tunes
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