Será provavelmente necessário recuar trinta e quatro anos para recordar um Verão tão animado politicamente como o actual. Mas é muito difícil imaginar hoje a agitação reinante em 75, a poucos dias da tomada de posse do V Governo Provisório, e quando se discutia a possível governação do país por um triunvirato formado por Gosta Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo.
Sucediam-se os discursos inflamadíssimos, as conferências de imprensa e as manifestações - com muitos gritos mas sem teleponto, sem internet, muito menos Twitter, sem reuniões com bloggers numa qualquer cantina da 5ª Divisão. Mas, mesmo em pleno mês de Agosto, quem não estava na rua, colava-se à televisão e gravava para a posteridade o que a rádio ia transmitindo. (Foi o que fiz com o homérico discurso de Vasco Gonçalves em Almada, numa fita magnética que ainda hoje guardo num saco de plástico, juntamente com outras que têm óperas de Mozart e, quem sabe, um ou outro concerto para violino d Chopin.)
Nos jornais de 28 de Julho de 1975, PS, PPD e MRPP tomam posição contra a hipótese do triunvirato acima referida. Lê-se também que Otelo regressou de Cuba, onde discursou ao lado de Fidel e afirmou que «a luta heróica do povo cubano é um exemplo magnífico para o povo português».
E, em A Capital, o PS afirma, em jeito de comentário ao momento político: «O que nos divide não é Marx – ou seja a construção do socialismo, de uma sociedade sem classes, onde termine progressivamente a exploração do homem pelo homem; o que nos divide é Estaline – ou seja, a concepção totalitária do Estado, o partido único todo-poderoso, o problema da defesa das liberdades públicas e dos direitos do homem.»
Em 2009, cá estamos.
Fonte: Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, p. 225.
4 comments:
Não de Julho, mas de Agosto de 1975, em pleno verão quente, retenho algumas passagens um tanto surreais (para hoje, mas também para então). Militava então eu no MES - Movimento de Esquerda Socialista. Em meados de Agosto, à porta da sede na Av D. Carlos I, uma pessoa conhecida (e nossa amiga comum, minha e da Joana), designada como Secretário de Estado do V Governo Provisório, exclamou-me exultante: "Jorge, directa ou indirectamente, nós temos metade do Aparelho de Estado! O MES está no poder!!!" Claro que tentei acalmar um pouco tão grande aura de glória. Com cuidado, pois estava a começar a ser olhado com desconfiança, já não de desmancha prazeres, mas de alguém que estava a pôr em causa publicamente a grande sabedoria política do nosso augusto dirigente, também Augusto de seu nome, em quem os militantes não só se tinham de rever como de seguir cegamente. E por essas e por outras fui, em meados de Agosto, submetido a um verdadeiro auto de fé, com perguntas decalcadas nos ditos ou repescadas da confirmação da fé católica... Do género: "pões em dúvida as directrizes do Comité Central?"; "Fazes perguntas antes de cumprir instruções políticas?"; etc.. A tudo fui respondendo que sim ou que não de acordo com o que eu fazia. De nodo nenhum me perdoaram que eu não aceitasse sem interrogações o que o CC mandava que se fizesse, de modo que o veredicto foi: "Não podes continuar a ser militante. Tens de passar a aderente!" Havia então três categorias no MES: militante, aderente, simpatizante. Eu disse: "Não, não serei aderente. Quanto muito serei simpatizante e até ver, pois nunca pedi para ser militante ou outra coisa qualquer. Nunca procurei ou quiz estatuto. Milito porque essa é a minha maneira de estar no Mundo: militar=actuar! Com ou sem partido."
Outra coisa gira foi um dos militantes inquiridores ter, em dado momento, ter desabafado que a figura de Otelo lhe metia medo, pois presumia que dali viria outro Pinochet...
Isso não se faz, Jorge! Fez-me ir ver a cosntituição do V Gov. Provisório, à procura de um Augusto amigo e não encontrei nenhum! Não há por aí engano de nome? Vi vários, amigos e capazes do que conta, mas não Augustos...
Joana: o Augusto não fez parte do V Governo. Era "apenas" o Secretário Geral do MES. O primeiro nome do tal amigo é Luís...
Entendidíssimo...
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