Vem de longe a comemoração do dia em que Camões foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1880. Feriado nacional desde os anos 20 do século passado, a data ganhou um novo significado em 1944, quando Salazar a rebaptizou como «Festa de Camões e da Raça», por ocasião da inauguração do Estádio Nacional.
Mais graves, e bem mais trágicos, passaram a ser os 10 de Junho a partir de 1963. Transformados em homenagem às Forças Armadas envolvidas na guerra colonial, eram a data escolhida para distribuição de condecorações, muitas vezes na pessoa de familiares de soldados mortos em combate (fotos reais no topo deste post).
Desde 1978 que não é Dia da Raça e, para além de Portugal e de Camões, passou a festejar-se também as Comunidades Portuguesas. Mas continua a haver condecorações – outras, evidentemente, por motivos totalmente diferentes e por razões certamente muito louváveis. Talvez fosse no entanto possível ter escolhido outro dia para as distribuir, já que é quase inevitável associar qualquer distribuição de medalhas neste dia às trágicas imagens do Terreiro do Paço em tempo de guerra colonial.
Acabo de transcrever parte de um texto que publiquei, neste blogue, exactamente há um ano.
Ao ouvir o discurso de António Barreto na sessão solene desta manhã, tive um sobressalto. Não porque tenha alguma objecção contra o desfile dos antigos combatentes, nem porque não reconheça que o Estado nem sempre os tratou bem.
Mas, primeiro, porque a vertente padre Américo do actual Comissário do evento não tem cabimento: houve «soldados bons e soldados maus», sim e como é óbvio.
Segundo, porque a glorificação patrioteira da noção de «soldado português» (independentemente de ter sido «colonialista», «revolucionário» ou «fascista» - as expressões são do próprio António Barreto) me revolve as entranhas.
Terceiro e regressando a algo que já referi a propósito de condecorações: tivessem escolhido outro dos 365 dias que o ano tem para uma exaltação deste tipo. Porque, para quem já era suficientemente crescido no 25 de Abril, soldados e condecorações em 10 de Junho estarão para sempre associados a uma guerra muito concreta. E nem ouso pensar que alguém esteja interessado em branquear esta memória.
P.S. - E antes que alguém venha comparar o que escrevi aqui com a minha posição sobre as crianças com fardas da MP em Aveiro: nada a ver! Se tivessem feito uma cerimónia no Terreiro do Paço, encenando-a como o vídeo mostra para se ver «como era», eu aplaudiria.
ADENDA - A ler: Chega-te para lá, académico decadente e doutrinador falhado
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11 comments:
Eu também...
Mas deu-me uma ideia. Vou fazer um guião e envolver os meus netos como actores, eles que que já são professores. Não acredita? Veja aqui
http://conversavinagrada.blogspot.com/2010/06/educacao-gastronomica-nada-de-dieta.html
Chego aqui via a Esquerda Republicana.
parabéns pelo blog e pelos valores que defende(mos)
Cumprimento-a pela indignação que comungo.
Era o que faltava que alguém viesse comparar e colocar ao mesmo nível os aviadores que disparam bombas de fósforo sobre hospitais e os malandros dos palestinianos que se defendem com paus e tubos d eferro.
Ou os aviadores que em Angola regaram de napalm a baixa do Cassanje...com as vítimas torturadas nas masmorras da Pide, nas prisões das colónias portuguesas.
Esta gente não tem um pingo de vergonha na cara!
Obrigada, MFerrer. Já tenho passado pelo seu blogue.
Já se percebe que desconhece a data a em foi iniciada a comemoração da "Raça" em Portugal. A ignorância também pode ser atrevida.
Caro Anónimo,
Então diga qual foi essa data e corrigirei o que escrevi.
Foi em 1924 embora na altura tivesse a designação de "Festa da Raça". A "Festa da Raça" durava uma semana e abragia o 10 de Junho. Foi só a partir da 2a República (e já com Salazar no poder) que a "Festa da Raça" passou a "Dia da Raça" comemorando-se apenas no dia 10 de Junho.
Peço desculpa mas a sua correcção é irrelevante em relação ao que escrevi.
Anónimo,
a propósito de ignorância atrevida, permita-me que lhe diga que, segundo muitos historiadores, a 2ª República em Portugal começou a partir do 25 de Abril de 1974 e não existiu, quer do ponto de vista político quer filosófico, no período do Estado Novo/fascismo.
Vá lá, assim aprendemos todos um bocadinho.
Estou a ver: Não se pode glorificar o soldado Português porque alguns soldados eram colonialistas e fascistas e outros foram revolucionários e outros não foram. Ou seja: glorificar só é admissível se se excluirem expressamente as categorias de torcionários, colonialistas, fascistas, anti-democratas, etc. Não ouvi nem li o discurso de Barreto. Mas espero que, se se tiver referido ao Emigrante Português (ou, talvez, emigrante e emigranta) tenha tido o cuidado de excluir os que no estrangeiro praticaram crimes; e que, se se lembrou de celebrar no dia o cidadão (e cidadã, credo!, não me posso esquecer) Português, que é o que o dia celebra, não se tenha esquecido de excluir fascistas, criminosos condenados em pena maior, militaristas e o mais que não caiba no discurso polìticamente correcto que ele, aparentemente, se dispensou de fazer.
Caro LAM, sei que sim, que há quem defenda o que diz.
JMG, se tivesse lido ou ouvido o discurso de AB... talvez tivesse escrito outra coisa.
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