25.5.11

Os jovens, esses preguiçosos…


O jornal Libération publicou ontem este mapa do desemprego dos jovens europeus (*).

Sem surpresa, verifica-se que os valores mais elevados se encontram em Espanha (taxa superior a 40%, mais precisamente 44,6%) e que, dos 19 países referenciados, apenas 5 apresentam uma percentagem inferior a 20.

Trata-se de um dos vários espelhos graves da crise, por mais teorias que possam ser desenvolvidas – e são-no – sobre as «maldades» e vícios das novas gerações, os quais contribuiriam, pelo menos em grande parte, para esta realidade.

A questão é recorrente, veio em força quando apareceu o fenómeno «Geração à Rasca» e regressou agora a propósito dos acampamentos em Espanha e sua difusão por centenas de cidades.

Sinteticamente - e não estou a falar de discussões hipotéticas, mas sim de longas e recentes trocas de opiniões -, há quem acuse a grande maioria dos jovens em questão de reclamar emprego mas não gostar de trabalhar, de ser demasiado exigente quanto a tipo de ocupação e regalias, de querer manter o nível de consumismo a que os pais a habituaram. São muitas vezes esses mesmos pais (que se gabam de ter começado a trabalhar bem cedo, antes de acabarem cursos superiores ou mesmo sem os ter frequentado) que «acusam» as suas próprias gerações dos maus hábitos criados nos que agora ocupam praças em Madrid ou em Lisboa e se revoltam também em Atenas.

Algum fundamento no que acima resumi? Claro que sim, mas discordo da mensagem de fundo que acaba por ser veiculada: estes jovens são «piores» do que nós éramos e os culpados somos nós que os educámos assim.

Pessoalmente, estou à vontade: com 15 / 16 anos, tinha onze alunos a quem dava explicações e era com o dinheiro recebido que pagava a mensalidade do colégio que frequentava, porque os meus pais não podiam fazê-lo, e não consegui comprar carro antes dos 30. O meu filho só trabalhou depois de acabar o curso e tinha um automóvel à porta quando fez 18. Ainda bem.

Num mundo ideal, devíamos ter educado os nossos filhos fazendo-os herdar um casaco já coçado do pai, convenientemente virado do avesso por um alfaiate, habituando-os a só telefonar de cabines públicas e não de telemóveis, a não terem um PC em casa, a passarem as férias na apanha nem sei de quê e não num inter-rail, a passajarem os buracos das peúgas e a porem meias solas nos sapatos? Se sim, seriam agora diferentes? Muito provavelmente. Melhores? Claro que não.

O mundo evoluiu muito, o normal seria que os nossos filhos vivessem melhor do que nós, como nós vivemos melhor do que os nossos pais. Que trabalhassem em condições dignas e que tivessem direito à cultura e ao lazer. O progresso tecnológico deu passos gigantescos nas últimas décadas, é irreversível e merece ser gozado por todos. Mesmo em países paupérrimos por onde tenho passado, pode-se comer apenas uma tigela de arroz mas não se prescinde da motoreta ou mesmo do telemóvel.

E não foi esse progresso que provocou o desemprego nem a malfadada «crise» que atravessamos. Saibamos geri-la, sem catastrofismos estéreis e, sobretudo, sem acusações ou culpabilidades inadequadas.

Ou regressamos ao ideal de sociedade anterior à invenção da máquina a vapor, origem de todos os males?

(*) As percentagens referem-se a desempregados com menos de 25 anos (dados de Março de 2011) e as mãos vermelhas assinalam países onde há mobilização contra a austeridade.

(A foto é de Pedro Moura)
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5 comments:

Helena Romão disse...

Gostei muito, Joana!

Hoje os PCs e os telemóveis tornaram-se instrumentos essenciais de trabalho.

Para trabalhar preciso de um computador, boa internet e telemóvel. Pode não ser o último modelo, mas preciso de um telemóvel. Não é um luxo, é o empregozinho.
E anúncios de emprego que exigem automóvel são às dezenas... Há muita demagogia que diz que "não têm para comer, mas têm para o telemóvel". Eu se não tiver para o telemóvel não tenho MESMO para comer. É garantido... mas e explicar isso a gente sem capacidade para perceber, hein? ;)

Eu oiço os mesmos argumentos sobre a preguiça. Em geral, parece-me que há uma demissão de perceber a realidade. Que trabalhar já as pessoas (as empregadas) trabalham, 10h por dia. É mesmo só a contrapartida que falta — os direitos elementares e um salário acima da sobrevivência. Repetir a demagogia ouvida algures é tão mais fácil!!!

Anónimo disse...

CONCORDO NA GENERALIDADE

Joana Lopes disse...

Ainda bem que gostaste, Helena. Estou farta de conversas destas, mas admito que tenho o privilégio de conhecer pessoalmente muitas pessoas que «cabem» no retrato, o que não acontece com muita gente das gerações mais velhas - cheias de medo da «rua»...

Anónimo disse...

"O meu filho só trabalhou depois de acabar o curso e tinha um automóvel à porta quando fez 18. Ainda bem."

Também folgo muito que o seu filho tenha tido um automóvel à porta quando fez 18 anos, que tenha tirado um curso e que tenha tido emprego quando o acabou. Mas não é esse o percurso que o mapa sugere para a generalidade dos menores de 25 anos, pois não?

Eventualmente, não há realmente qualquer relação de causa e efeito entre o automóvel (que depende dos pais), o curso (que depende em grande medida dos pais mas não só) e o emprego (que só depende dos pais para uma minoria). Ou seja, lamentavelmente, o automóvel e o curso feito com paz e sossego podem contribuir muito para a felicidade presente dos filhos, mas não são garantia nenhuma para o futuro, não são "armas" ou ferramentas para a vida, se se quiser usar uma palavra menos bélica.

A meu ver, aquestão que se põe é a seguinte: será que eles precisam das ferramentas adequadas, ou atingimos um estádio civiilizacional em que "se" proverá às suas necessidades? No segundo caso, estamos conversados e este mapa é uma simples descrição da realidade, sem qualquer outra conotação. Mas no primeiro caso, seria bom averiguar quais são as tais ferramemtas adequadas.

IsabelPS

Joana Lopes disse...

Isabel PS,
1 - O meu filho tem 35 anos. Se tivesse 25, talvez estivesse em piores lençóis...
2 - Não sei o que entende por «ferramentas adequadas» e não me parece que seja por falta delas que assistimos ao actual drama de desemprego.