«Se a mensagem de António Costa para as eleições é a de que o país está condenado à ingovernabilidade se o PS continuar a depender do BE, prepara-se para cometer vários erros num só. Primeiro, comete um erro tático. Costa aponta a mira ao BE e não ao PCP porque o primeiro está a destacar-se do segundo e tem maior porosidade eleitoral com o PS. Só que o efeito das suas palavras é o oposto ao desejado. Tentando influenciar o voto de eleitores que querem alguém que os controle, valoriza os bloquistas, tratando-os como mais firmes do que os comunistas. É falso e contraproducente. Por outro lado, o discurso da “ingovernabilidade” não pega depois destes quatro anos. Se há crítica feita a bloquistas e comunistas é a de terem cedido demais. Já ninguém os vê como fonte de instabilidade. Nem a melhor campanha consegue mudar uma perceção criada numa legislatura inteira. E esta conversa é má para a imagem de Costa. Passa uma mensagem de arrogância junto dos eleitores que gostam da ‘geringonça’ e reforça a convicção dos que acham que não deve ser deixado sozinho. Para os restantes, fica a sensação de que cospe no prato onde comeu.
É claro que o principal objetivo eleitoral de Costa é crescer à direita e chamar irresponsável ao BE. Mas quando tapa a cabeça destapa os pés. E ao mover o cobertor pode ganhar vantagem eleitoral mas comete um segundo erro, este estratégico. Além dos ganhos imediatos, a ‘geringonça’ correspondeu a uma reavaliação da estratégia do PS. Os socialistas perceberam que tinham de liderar um bloco à esquerda para deixarem de depender, para governar, de maiorias absolutas cada vez mais difíceis de conquistar ou de alianças suicidas com o PSD. Tinham razão. Mas a crise na direita e a boa situação económica terão criado a ilusão de que a maioria absoluta era agora possível e desviado o PS da opção que o salva do destino dos congéneres europeus. A tentação de ir a um eleitorado órfão de uma direita em crise, construindo um discurso mais agradável ao centro-direita, terá efeitos indesejados. Desloca o PS para o lugar de charneira do regime, deixando o flanco esquerdo desprotegido e ficando ensanduichado entre inimigos, sem aliados para o futuro. Foi desta armadilha que Costa fugiu com a ‘geringonça’, é esta armadilha que está a voltar a armar.
Portugal é um exemplo na Europa por ter integrado no arco do poder representantes de importantes franjas de descontentamento. E isso é especialmente relevante quando sabemos que a crise económica acabará por voltar pela mesma porta europeia por onde saiu. Libertar BE e PCP para uma oposição frontal impede qualquer compromisso de esquerda para lidar com uma próxima crise. À direita, o resultado será ainda mais trágico. Ao aproveitar a crise do PSD e do CDS para lhes ocupar o seu espaço natural, capturando-lhes o discurso sobre o défice e sobre as greves, deixa-os a falar para as margens do sistema sobre ideologia de género e outras patetices. Se Costa confirmar a escolha que fez há quatro anos e liderar a esquerda, permitindo que o PSD se reorganize para liderar a direita, estará a ajudar a salvar a democracia portuguesa do desgaste a que as democracias europeias têm estado sujeitas. Se, inebriado pela possibilidade passageira de uma maioria absoluta, quiser neutralizar tudo à sua volta estará a destruir o que fez. Será o seu terceiro erro: por cálculo eleitoral de curto prazo, deixará a nossa democracia mais frágil.»
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