6.7.21

Os direitos humanos não são “imaginários”

 


«O primeiro-ministro afirmou esta segunda-feira que a União Europeia vai ter de “confrontar as diferentes visões que hoje existem” no seu seio. A declaração parece à partida pouco mais do que uma série de palavras de circunstância, em tudo semelhantes às que se pronunciam conselho após conselho, presidência após presidência. Mas está na hora de pôr de lado a rotina e de as associar à perigosa situação que retratam. A Europa está rapidamente a chegar ao momento em que tem mesmo de escolher uma entre as diferentes “visões” que nela se confrontam. Ou mantém a sua fidelidade à Carta dos Direitos Fundamentais e combate os que a contestam, ou cede à vaga autocrática de Viktor Orbán e seus acólitos e transforma-se num projecto contrário à sua própria essência e ideais.

A ameaça não é nova, mas ganhou uma dimensão assustadora. Pela primeira vez, primeiros-ministros das democracias europeias aproveitaram o Conselho Europeu de 24 e 25 de Junho para confrontar Orbán com a sua vergonhosa lei que discrimina os homossexuais. Depois, o Governo húngaro lançou uma campanha de propaganda paga em jornais contra debate sobre o futuro da Europa ou contra um imaginário “império europeu” (que o PÚBLICO, tal como vários outros jornais europeus, recusou publicar após uma viva discussão interna). Mais grave ainda, o primeiro-ministro esloveno, que agora preside ao Conselho da União Europeia, insurgiu-se no final da semana passada contra a suposta “imposição” de “valores europeus imaginários” ao seu aliado húngaro.

Quando princípios básicos da União são transformados em “valores imaginários”, deixa de haver espaço para dúvidas ou margem para ambiguidades. Se a Europa aceitar que a liberdade e a justiça são delírios da imaginação, estará a ressuscitar os seus piores fantasmas. Se tolerar “a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social”, pelas opiniões políticas, nascimento ou orientação sexual, perde o sentido. Se não tiver mão firme contra os ataques à liberdade de expressão em países como a Eslovénia, será outra coisa qualquer, não a Europa que selou a paz no continente e mobilizou várias gerações de democratas e humanistas de diferentes matizes ideológicas nos últimos 70 anos.

António Costa tem, portanto, razão. Se a UE não for capaz de combater e vencer a hidra populista e iliberal que ano após ano vai ganhando espaço, a hidra continuará a crescer. Está na hora de confrontar húngaros, polacos ou eslovenos com as suas próprias escolhas: ou aceitam que os valores europeus são reais, vividos e partilhados como o cimento que faz a união, ou retirem-se do que dizem ser um mundo imaginário para viver a realidade da sua própria escuridão.»

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