«O que se passou em Olhão? Quero saber. Queremos saber. Queremos saber?...
De onde veio aquela violência cega, surda e muda? O que trouxe aquela brutalidade do vale de Neandertal aos nossos dias? E estes dias assim são nossos? O que aconteceu antes para justificar o que aconteceu? São coisas que aqueles jovens viram em séries de televisão norte-americanas e que se tornaram tão próximas e tão estimulantes que era preciso pô-las em prática? Eram jogadores inveterados de Grand Theft Auto ou das suas versões mais modernas e actuais? Como se passa de assistir a séries de televisão e de jogos electrónicos para pontapear realmente algo sólido que por acaso é um corpo humano, é um corpo de um homem que em minutos passa a representar toda a dignidade humana ofendida e os robots humanos agressores passam a representar bestas à solta à procura de peças de carne para pisar, rebentar?
Seriam apenas jovens completamente tomados pelo tédio? Completamente tomados pela indiferença, pela desorientação, pela falta de modelos e de liderança? Mas que jovens de que tipo de juventude? Da nossa? Da de cá? De modelos importados?
Quem são os pais desses jovens? Ausentes? Indiferentes? Agressores que aqueles tentam imitar, passando em cadeia as coças, humilhações e torturas que receberam? Alcoólicos? Ou que se vão tornar alcoólicos depois de terem visto o que filhos seus foram capazes de fazer sem nexo que se reconheça?
Quem são estes seres humanos? Só torturam nepaleses ou nos estatutos do grupo a que pertencem entram também na lista de alvos paquistaneses e indianos ou africanos ou ciganos ou deficientes físicos ou mentais, homossexuais, adeptos de clubes de futebol rivais, filatelistas? Ou serão eles – perpetradores – psicopatas ou sociopatas? Serão fascistas?
Quem são estes seres humanos contraditórios da definição de seres humanos que mudaram o meu país para um país onde eu não sabia que vivia?
Vamos cortar-lhes as mãos? Vamos prendê-los em celas? Vamos pô-los em reformatórios ou lá como se vão chamando e que não sabemos o que são? Vamos instituir os trabalhos forçados de propósito para eles e, já agora, para mais uns quantos? Deveriam ser obrigados a ser internados no Colégio Militar?
Vai o juiz deixar que o julgamento de transmita pela televisão para que nós – ou eu – saibamos o que causou tudo isto? Para que possamos perceber qual o princípio que deu este fim? Será que eles vão falar, vão dizer alguma coisa com sentido, vão explicar-nos alguma coisa ou vão ser aconselhados a ficar calados e ficamos na mesma? Na mesma, não, porque na mesma não vai ficar ninguém, a não ser os que não sabem o que se passou e que, afinal, se pode passar. Ficamos é na ignorância, na confusão, no horror. E noutro país.
Quem é que entende isto?»
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