14.2.23

Obrigada, Catarina

 


«Comuniquei aos e às ativistas do Bloco de Esquerda que não serei candidata a coordenadora do partido na próxima Convenção, que se reúne dentro de três meses, em maio deste ano.

Faço-o quando se inicia o processo preparatório dessa reunião, por lealdade para com toda a gente que participa na reunião magna do Bloco e para que as várias moções, e as listas que delas decorrem, o saibam desde já e apresentem as suas propostas com toda a informação que devem conhecer.

E faço-o também porque num partido que tem uma influência social tão alargada como o Bloco, com milhares de ativistas, centenas de milhares de eleitores e de pessoas atentas e exigentes sobre as alternativas na esquerda, devo clareza a todas as pessoas que connosco se encontram.

O que quero agora explicar mais em detalhe é a razão política pela qual tomei esta decisão e o que vou fazer depois dela.

Ao longo dos dez anos em que tive a função de coordenar o Bloco – no início, com João Semedo, que quero hoje lembrar e homenagear pela sua grandeza, que foi fundamental na minha vida – tivemos vitórias e derrotas. Uma pesada derrota eleitoral, há um ano, e vitórias eleitorais, como em 2015 e 2019, quando alcançámos e mantivemos dos nossos melhores resultados de sempre. Vitórias e derrotas também nas lutas sociais, nos movimentos, nas leis.

Essas vitórias e derrotas são parte importante do nosso combate, mas o que tem de nos guiar é a coerência e a dedicação que fazem a nossa vida e o nosso compromisso com o povo. E estes dez anos foram um tempo extraordinário. Pusemos a direita fora do governo, em 2015 impusemos as condições que tornei públicas no debate com o primeiro-ministro e o PS foi obrigado a aceitar um acordo escrito sobre políticas de governação, o país respirou de alívio e iniciámos a recuperação das vidas de quem trabalha. A geringonça foi o princípio do respeito.

Foi um tempo extraordinário em que o país melhorou. Ficou muito por fazer, mas com a força que nos confiaram foi possível avançar nas primeiras trincheiras do combate à precariedade, no respeito pelas pensões, na universalidade dos serviços públicos, tributámos o imobiliário milionário, recuperámos o salário mínimo, parámos várias privatizações que agora se descobre que continham outros tantos escândalos de ganância.

A maioria absoluta, entretanto, veio mostrar que o PS nunca se conformou com este caminho e agora está mesmo a reverter algumas das medidas da geringonça, para não falar da grande reversão nos rendimentos de quem trabalha ou trabalhou a vida inteira. No país, não há quem não veja como a maioria absoluta tem servido um sistema de apadrinhamento, de favores e de autoritarismo contra a escola, contra o SNS e contra uma política social de habitação. Estão à vista os motivos para a viragem à direita que António Costa impôs ao país.

E é no confronto de hoje que também melhor se sente o que é o Bloco: o Bloco é a luta por tudo o que está por conseguir, o que ainda não conseguimos fazer para assegurar uma carreira para a educação, um sistema de exclusividade que engrandeça os hospitais e centros de saúde, o fim de discriminações que magoam, uma vida digna para pensionistas, uma habitação que não seja a especulação cruel que destrói as nossas cidades, um planeta que não esteja doente e onde seja possível viver.

Em contrapartida, as vitórias que me animam são o caminho que fizemos. Lembro que em breve concluiremos a lei da morte assistida, que permitirá a decência e garanto-vos que não desistimos de nenhum dos outros combates: sim, havemos de conseguir escola e saúde, pão e habitação, para adaptar o Sérgio Godinho.

O que agora mudou, no entanto, é a instabilidade da maioria absoluta. Como é evidente, essa crise larvar, multiplicada dentro do governo e em choque com a luta popular, é o sinal do fim de um ciclo político.

Chego então à razão para esta minha decisão. No Bloco não há períodos muito longos de funções como a da coordenação e nós gostamos dessa cultura, mas o que me fez decidir neste momento foi pensar que é agora que o Bloco deve começar a preparação da mudança política que já aí está.

Neste tempo novo estarão os velhos fantasmas, os ódios racistas que agora são o retrato de uma política mesquinha, tal como estarão os poderes de sempre, a oligarquia da especulação financeira e urbanística, e como estará também a certeza de que é preciso virar à esquerda. O Bloco deve juntar a sua máxima capacidade de transformação, e acredito que esta renovação, que desejo promover, multiplicará a sua energia.

Finalmente, respondo também sobre o que farei depois da próxima Convenção. Garanto que não andarei por aí: eu sou daqui, estou aqui e aqui darei ao povo do Bloco todo o meu vigor e persistência, como sempre fiz. Em tudo o que for preciso, quando é preciso, na luta toda e em todas as lutas. Assim sou, assim continuo. E é com muita confiança que olho para o futuro do meu partido.»

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