2.1.12

O Golpe de Beja, 1 de Janeiro de 1962

(Clicar e ampliar para ler)

O Diário de Notícias (sem link) publica hoje uma reportagem, com excertos de entrevistas a três dos protagonistas e um texto do jornalista João Céu e Silva – O 25 de Abril que falhou em 1962 – que começa assim: «Há 50 anos vivia-se em Portugal o rescaldo de uma revolta civil e militar que poderia ter ditado o fim do regime de Salazar e que até obrigou a que o generalíssimo Franco mandasse avançar uma divisão de blindados até à fronteira de Badajoz para fazer frente aos efeitos da acção armada contra o quartel do Regimento de Artilharia n.º 3, de Beja»

EDMUNDO PEDRO
«Provou-se que éramos capazes de tomar o quartel.»

Antes de Manuel Serra morrer, foi ao hospital dar-lhe a ler o seu trabalho sobre Beja: “Ele leu o capítulo das minhas memórias e disse que era a verdade sobre essa noite.”

Para Edmundo Pedro, o seu papel na Revolta de Beja foi fornecer a componente civil ao movimento que Manuel Serra liderava em nome do general Humberto Delgado, de modo a obrigar os militares a participar no golpe de Beja: “Era muito importante para impedir a hesitação dos militares que, várias vezes, à última hora, estavam à espera uns dos outros e desistiam.” Em Beja, essa componente civil ensaiou duas tentativas de levantamento antes da derradeira e foi, refere, por falta de pessoas suficientes que acabaram por desistir do assalto. A intenção, diz, era que o movimento civil, apoiado no prestígio de Delgado e nas suas relações, tomasse conta do quartel: “Ficou provado que éramos capazes.” Isso confirma-se, justifica, pela reacção das autoridades: “Foi lenta e, apesar de haver tanta gente comprometida, a PIDE desconhecia o que se ia passar. Só o soube naquela noite, e às quatro da manhã já tinham assaltado a casa de onde tínhamos saído. Isto mostra que houve um trabalho conspirativo muito bom, mesmo não tendo sido muito rigoroso.”

O enviado do político que queria derrubar Salazar viera acompanhado de mais dois elementos, José da Silva Graça e Raul Marques, que, ao concluírem pela impossibilidade de fazer o levantamento, se refugiaram na embaixada do Brasil. Segundo Edmundo Pedro, Serra estava quase a fazer o mesmo quando o oposicionista Piteira Santos os pôs em contacto. A partir daí, o ex-preso político do Tarrafal participou activamente da acção, mas considera que “o projecto não estava tão consolidado como se pensava. Nós, civis, provámos que éramos capazes de tomar conta do quartel – quem complicou a situação foram os militares que colaboraram. Levávamos apenas duas pistolas e duas granadas de mão, porque o Manuel Serra dizia que as armas estavam lá dentro. Até podiam ser duas pistolas de plástico que serviriam na mesma!”. Ao fazer o balanço 50 anos depois, Edmundo Pedro não duvida de que sem a sua participação faltariam os meios essenciais para a operação: “Um dia o capitão Vasco Lourenço fez ao Manuel Serra a seguinte pergunta: ‘ Beja foi o quê?’ E este respondeu: ‘ Beja foi o Edmundo Pedro.’ Eu digo que Beja não fui eu, mas muita gente que se sacrificou. O que digo é que se não tenho intervindo não havia Beja.”


VARELA GOMES
«A Queda de Goa Impulsionou militares»

Não quer especular sobre o que poderia ter sido Beja, nem destacar o significado na luta contra Salazar. Quer que fique na História.

O capitão Varela Gomes quase morreu varado por dois tiros à queima- roupa durante a tomada do Quartel de Beja. Uma situação que não lhe custou tanto sofrimento como o esquecimento a que a acção armada está votada pela História. Há dez anos enviou ao presidente Sampaio uma carta a alertar para um “pedido de desculpas” em falta. Desta vez, é um entre os 22 subscritores de um documento assinado pelos que ainda estão vivos, no qual já só se pede que a efeméride não seja apagada. O texto é curto e manifesta o desejo de resgate de uma memória no seu cinquentenário, porque, diz: “Este grupo de rapazes que o assinaram chegaram 50 anos depois firmes na posição ideológica e nunca traíram.”

Varela Gomes recusa protagonismo e pouco quer contar: “Tenho recebido críticas de que não me deveria ter exposto tanto.” Mas, reconhece, “que o fiz porque não me faltou coragem para me acobardar, mesmo que tudo aconselhasse a ser sensato e ir embora”. Recorda que foi contactado em cima da hora e só avisou: “Comigo, não voltam para trás.” No entanto, a acção correu mal: “Chegaram atrasados, falharam os encontros preparatórios e já tinha desmobilizado as unidades. Foi um ensaio geral mau.”

Segundo o militar, o movimento conspirativo estava em bom andamento na altura devido à campanha presidencial de Humberto Delgado, em 1958: “As manifestações que reuniu no Porto foram maiores que as do 25 de Abril e estava-se debaixo da repressão activa.” Era activo politicamente: “Um oposicionista mais do que referenciado por ser o único oficial do quadro permanente que foi candidato contra a União Nacional. Em 1961, tínhamos uma boa rede conspirativa, que foi fortemente ameaçada pela Guerra Colonial. Ficou tudo desnorteado e muitas unidades foram logo para Angola ou estavam a caminho, como era o caso da de Beja, de Évora e de Estremoz, que nos colocava sob uma grande dúvida. A queda de Goa, dias antes, é que deu um forte impulso à participação dos militares.” Acreditava que Delgado iria estar presente na revolta – “Olha quem! Ele vinha e pronto a assumir o comando” –, mas não quer especular sobre o que teria acontecido se o movimento fosse vitorioso: “O Delgado era um espontâneo, mas daquela vez foi espontâneo demais!”


HIPÓLITO DOS SANTOS
«A GNR e a polícia recusaram intervir»

Vai publicar a investigação intitulada ‘A Revolta de Beja’ em que sistematiza os factos do golpe civil e militar.

Tinha 29 anos quando fez de elemento de ligação na terceira tentativa golpista: “Estabeleci o contacto entre militares de Beja e o grupo do Varela Gomes, que estava muito hesitante. Quando se descobre que há um pequeno núcleo de Beja que era contra o regime e que estava disposto a participar, aí tudo muda e decidem ir para a frente.” Economista e quadro da CUF, irmão de um dos militares directamente envolvidos e um dos quatro julgados à revelia: “O meu irmão Alexandre é oficial no Regimento e diz-me o que se estava a passar no interior do quartel. Não era uma sublevação, mas vivia-se um ambiente contra e até tinham estado dois fins de semana de prevenção. O Varela Gomes perguntou-me se o meu irmão aceitaria conversar; fiz o contacto e, a partir daí, os militares decidiram juntar-se ao movimento do Manuel Serra.”Também entra na organização de um processo de agitação em Lisboa e Vale do Tejo para cortar a energia em Lisboa e paralisar transportes e fábricas no dia 2 de manhã. Na sua opinião, o regime estava preso por um fio: “Sentia-se e via-se isso dentro dos quartéis. A natureza do golpe surpreendeu a PIDE porque pensava que se preparava um desembarque de Delgado a sul.”

Da sua investigação, revela, o facto mais inédito é a descoberta de que a GNR e a polícia se recusaram a intervir no quartel, e que foram os tiros dos guardas que mataram o secretário de Estado que foi controlar a revolta.



Na TSF, o depoimento de um outro dos protagonistas, o coronel Eugénio de Oliveira.

P.S. – Os 22 sobreviventes elaboraram um documento por ocasião do 50º aniversário do Golpe, que divulgarei em breve.
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2 comments:

Septuagenário disse...

VARELA GOMES«A Queda de Goa Impulsionou militares»

Até dá a impressão que os militares, (oficiais do QP)até estavam "numa boa" com o botas se não fosse correrem o risco de irem para a guerra.

– O 25 de Abril que falhou em 1962 –

O pior que podemos fazer é os mais antigos escreverem de maneira a confundir os mais novos.

Como é que se podia chamar "25 de Abril" em 1962 se ainda havia Salazar?

Claro que os mais antigos, gostamos de rememorar estes acontecimentos, que na altura apenas se sabia por boatos e pouco mais.

Tambem sabemos que naqueles tempos ainda era muito dificil os capitães fazerem um 25 de Abril, pois que poucos ainda tinham descalçado aquelas botas altas reluzentes que o o ordenança engraxava diariamente.

Apenas uns pouquinhos em 1962, tinham começado a enlamear a bota cardada, mal engraxada, no norte de Angola.

Não devemos enviesar os olhares.

Naquele tempo, sem militares não podia haver revolução, e uma revolta nunca podia ser uma revolução.

E a revolta a sério nasceu principalmente nas bolanhas alagadas da Guiné, onde os oficiais não usavam botas reluzentes como em Beja.

Joana Lopes disse...

Caro Septuagenário, há que situar isto no pós-momento Humberto Delgado (embora à distância de 3 anos), aliás intimamente ligado ao Golpe.